segunda-feira, 7 de abril de 2014
O que a vida fez de mim?
As sinopses oficiais do filme Walt nos Bastidores de Mary Poppins dão conta que este é um filme baseado em fatos reais, que mostra como foi a produção do clássico Mary Poppins (1964). Dizem que a trama acompanha como foi a batalha entre Walt Disney e a escritora australiana Pamela Lyndon Travers (Sra. Travers), onde Walt tentou de todas as maneiras persuadir a famosa escritora a vender os direitos da adaptação para os cinemas de Mary Poppins. No entanto, o que percebo é que o foco deste filme não é o embate entre Pamela e Disney, mas sim da escritora com ela mesma e seus mais íntimos sentimentos e enfrentamentos internos moldados em si desde sua infância.
“Ventos do leste. Magia chegando. Como se algo tivesse prestes a acontecer. Não consigo prever o que o destino reserva. Mas sinto que está para acontecer tudo que já aconteceu antes”. Convivendo com esse pensamento/sentimento, Sra. Travers tornou-se uma escritora renomada, porém, uma pessoa amargurada. Após o sucesso, e detentora dos direitos de uma das personagens mais conhecidas do mundo, Mary Poppins, ela se viu sem dinheiro e tentada a vender os seus direitos autorais a Walt Disney (um ícone da indústria cinematográfica mundial).
Todos trazemos dentro de nós memórias de fatos ocorridos em nossas vidas: muitos deles bons e outros tantos ruins. Entretanto, há uma frase que diz: “Não importa o que fizeram comigo. Importa o que eu faço com o que fizeram comigo”. A Sra. Travers do filme em questão, não me parece ter feito bom proveito dos ensinamentos positivos do seu pai - um pai que, quando em seu estado normal, levava peras para sua mãe como prova de amor, lhe dizia para ensinar a bruxa a ser feliz novamente para não mais transformar seu tio em cavalo, lhe ensinara que o mundo era só uma ilusão e lhe dizia, sempre e carinhosamente “NUNCA PARE DE SONHAR”. Em oposição a isso, a escritora dera maior foco às coisas negativas que lhe aconteceram: esse seu mesmo pai-herói, também marcara sua infância de um modo negativo deixando como herança, à ainda menina, um fardo pesado de carregar, repleto de lembranças duras como o vício em bebidas, que o desestruturou emocional e financeiramente, que levou a sua esposa tentar suicídio e o levou ao leito de morte - permitindo que isso direcionasse toda sua vida, fazendo, até mesmo, com que sua personagem, Mary Poppins, não disfarçasse às crianças a escuridão que, segundo a mesma, elas iriam conhecer um dia.
O fato da escritora relutar tanto em ceder os direitos a Disney, tinha razão de ser: ela tinha receio que ele modificasse sua história ali retratada. Aparentemente ríspida, durona e carrancuda, todos os acontecimentos que tornaram-se barreiras para a escritora não ceder os direitos a Disney, só “caíram por terra” quando este percebera aonde residiam os motivos da sua fraqueza para não assinar o contrato. Então, sabiamente, com uma frase ele a convencera a ceder os direitos da personagem Mary Poppins: “A vida é uma sentença muito dura para aplicar a si mesma”. BINGO: ele acertou em cheio! Ela estava sentenciando-se, cruelmente, ao endurecer e enterrar as mais belas memórias que seu pai lhe deixara em detrimento do sofrimento em vê-lo alcoólatra fazendo toda sua família sofrer.
E assim, após ceder os direitos autorais a Disney, e não concordar com alguns detalhes animados do filme, Sra. Travers assiste a película um tanto descontente e sente novamente os “Ventos do leste que trazem de volta tudo o que já aconteceu antes”. Mas, tal qual uma canção de Fátima Guedes que diz “a gente leva da vida, amor, a vida que a gente leva”, reflete sobre a vida, amolece o seu duro coração, emociona-se e parece questionar-se: “o que a vida fez de mim?”. E eu respondo: “- De você Sra. Travers?! Eu sei dizer: devolveu-lhe o sentimento, puro e singelo, da Pamela menina de volta... Seu pai deve estar orgulhoso de você! Que tal uma pera?!”.
Valéria Nancí de Macêdo Santana
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